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Arquitetura Funerária
INTRODUÇÃO
Durante a época proto-dinásitica (Naqada III – ca. 3200 – 3000 a.C.), o corpo dos governantes locais (chefes regionais e/ou tribais) era depositado sob um monte artificial. Os antigos egípcios assimilavam esses montes ao mítico “Ben-Ben”, a montanha primordial de onde a criação teria tido início.
A cada nova cheia do Nilo, as colinas emergiam e reencenavam naturalmente o mito da criação. Assim, como se o corpo fosse uma semente, o rei “germinava” para a vida eterna.
Outra referência na natureza para as práticas funerárias egípcias arcaicas poderia ter sido o estudo dos hábitos do escaravelho sagrado (scarabaeus sacer). O besouro conduz grandes bolas de esterco pelo deserto e as armazena numa câmara subterrânea escavada por ele. Essa bola de esterco é selada no interior da câmara e quando o solo é umidificado, seja pela ação de chuvas ou das cheias do Nilo, um novo besouro emerge da toca. A teologia egípcia aproveitou esse comportamento para explicar a autogênese divina do Sol.
Para o mundo antigo (Plutarco, De Isis e Osíris = Moralia vol.V), os escaravelhos eram apenas machos e, portanto, capazes de gerarem-se a si próprios sem a necessidade de fêmeas. O inseto, que em egípcio é denominado “kheper”, também oferece um trocadilho mágico com os homônimos “manifestar-se”, “existir” e “transformar-se”. Assim, o culto solar assimilou-o sob a forma do deus Khepri, que representa o renascimento diário do Sol, movido para cima do horizonte pelas suas patas.
PER WER: UMA ESTRUTURA DE MADEIRA
Por volta do início da I Dinastia (ca. 2900 a.C.) teve início a construção de assentamentos na área do Wadji Abu-Sufian. Esse assentamento deu origem à cidade de Nekhen (a Hierakompolis dos gregos). Devido à importância da cidade na época, acredita-se que talvez Nekhen tenha sido a capital do Alto Egito.
Numa parte da cidade, arqueólogos do final do século XIX (J. E. Quibell – 1897-1898; F.W. Green – 1899) encontraram vestígios de um recinto delimitado por um perímetro de tijolos de barro. No seu centro estava a colina sagrada mais antiga já registrada. A colina circular era circundada por blocos de contensão feitos de calcário e no seu topo havia vestígios de um templo de madeira.

Os blocos de calcário estavam alinhados horizontalmente e as fileiras formavam degraus alinhados a 45º. Não se sabe a altura que a colina possuía originalmente. Da estrutura de madeira restam apenas representações na arte egípcia.
Essa iconografia sugere que o templo foi construído com estacas de madeira e paredes formadas por painéis vegetais, feitos a partir de folhas de cana e papiro. Veremos esses motivos vegetais serem reproduzidos na decoração de túmulos de pedra, como no complexo da pirâmide de Djoser.

“Per Wer” (a Casa Grande) era o nome do grande santuário nacional de Hierakompolis. Esse nome se deve ao facto de que o santuário era a estrutura mais alta da cidade. Ocasionalmente o termo pode ser empregado para referir-se a santuários proto-dinásticos de características similares, ou seja, compostos por estacas de madeira e painéis vegetais.
A ARQUITETURA FUNERÁRIA EM PEDRA
- MASTABAS
A palavra árabe “mastaba” (مصطبة) significa, literalmente, “banco de pedra”. O seu nome egípcio mais usual era pr-djt (casa da eternidade). Normalmente elas são construções retangulares feitas de tijolos. Devido ao seu aspecto elas receberam o apelido em árabe e o termo foi adotado pelos egiptólogos.
Durante o final do período pré-dinástico (Naqada III – A2-B), as sepulturas mais ambiciosas eram construídas combinando técnicas de construção em madeira e tijolos. Um bom exemplo desse tipo de arquitetura funerária pode ser verificada na chamada “cidade de mastabas” de Hierakômpolis (HK).

Os túmulos das elites pré-dinásticas de Hierakômpolis são os maiores, dentre os construídos fora de Abidos. Embora o seu interior fosse construído com tijolos de barro, a sua superestrutura era toda feita com postes de madeiras e cercas trabalhadas com juncos.
Especula-se que a superestrutura delimitasse pequenos ambientes destinados à oferendas e ritos fúnebres. Isto sugere uma articulação de funções de templo e túmulo para essas construções.

A partir do Reino Antigo, as mastabas passaram a ser construídas exclusivamente em tijolos e passaram a assumir proporções cada vez maiores. Geralmente as suas paredes eram retas e decoradas como fachadas de palácios.
Essas estruturas eram rodeadas por mastabas menores, destinadas a acomodar o séquito dos reis, que ainda eram responsáveis pelos seus seguidores no pós-vida.
Nesse período também surgiram as primeiras estruturas construídas com pedra. As estruturas de pedra possuíam três objetivos principais:
- Função Religiosa: Alojar em segurança os restos mortais da realeza e da aristocracia, um processo necessário para assegurar a sua imortalidade;
- Função Monumental: Prestar um testemunho público do poder e prestígio dessas mesmas elites perante os vivos;
- Função Mágica: A pedra dura é uma manifestação física da eternidade a que aspiravam os egípcios. Estruturas de pedra deveriam perdurar eternamente.
O plano da mastaba sofreu poucas alterações desde o seu protótipo pré-dinástico. Os túmulos possuíam uma ou mais câmaras funerárias subterrâneas para alojarem os restos do aristocrata e, eventualmente, seus familiares.

Sobre a(s) câmara(s) subterrânea(s), uma superestrutura de pedras/tijolos era construída com pequenos aposentos destinados ao culto funerário e apresentação de oferendas. Esses aposentos poderiam variar, desde uma simples capela funerária com uma imagem do morto, a um complexo de pequenos apartamentos representando uma verdadeira mansão para o pós-vida.
As mastabas não permaneceram imutáveis ao longo da sua história. As estruturas da III e IV dinastias foram as primeiras a receber decoração, que podia incluir pintura e/ou relevos. Na IV dinastia, surgem as primeiras clarabóias – túneis parcialmente bloqueados – conectando a câmara funerária ao exterior a partir do teto da mastaba. Apesar do surgimento dos primeiros túmulos escavados na rocha no Alto Egito, as mastabas continuaram populares no norte (especialmente Saqqara). A partir da V dinastia, a capela funerária tornou-se um aposento complexo, recebendo novas câmaras e o “serdab” – um pequeno ambiente completamente fechado, salvo por uma pequena fresta, de onde se pode ver a estátua do ká do morto.
Ao final do Reino Antigo, a decoração passou a ser reduzida a uma simples porta-falsa. Desde a III dinastia a realeza abandonara o seu uso, preferindo as pirâmides. Entretanto as mastabas permaneceram em uso no antigo Egito até a XII dinastia. Após esse período, elas passaram a ser substituídas por outras formas de sepultamento.
- COMPLEXOS DE PIRÂMIDES
Pirâmides são imediatamente associadas a ideia de túmulos para os faraós. Contudo, a sepultura de um faraó era muito mais do que uma tumba real. A civilização egípcia estava estruturada sobre alicerces religiosos que depositavam toda a razão de ser do mundo físico na existência do faraó. O faraó era uma manifestação viva dos poderes divinos que estabeleceram o mundo físico e a Ordem cósmica no ato da criação. Assim, a vida de um faraó era entendida como um mandato temporário que os deuses conferiam a um representante na terra. A titulatura real reflete essa ideologia ao reconhecer o governante divino como “Filho de Rá” quando nascia e como uma manifestação física de Hórus quando era entronado. Mesmo na sua morte, o faraó era identificado como Osíris e os textos mágicos-funerários asseguravam-lhe salvo-conduto em sua jornada de volta para o seio dos seus pares divinos.
Um complexo da pirâmide era uma espécie de templo consagrado à divindade de Hórus e Osíris, tendo como figura central o deus solar, Rá. A estrutura era formada pela pirâmide e outros edifícios que serviam como templo. A construção de uma pirâmide era um empreendimento tão grandioso que exigia a fundação de verdadeiras cidades temporárias para produzirem o sustento dos construtores e organizar a rotina de trabalhos, que arrastavam-se, às vezes, por décadas.
A sua função monumental anunciava aos espectadores que o faraó transcendia a fronteira natural entre a vida e a morte. A pirâmide personificava o mítico “Ben-Ben”, o primeiro pedaço de terra a emergir do oceano caótico primordial em consequência do ato de criação.
- NECRÓPOLES EGÍPCIAS
- TEMPLOS FUNERÁRIOS